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Além da queda

  Kazuki e Yuki continuaram conversando, e eu voltei a focar na corda, tentando afastar os pensamentos negativos.

  Eu sabia que Kazuki era um cara legal, mas a inveja ainda queimava em meu peito, misturada com um sentimento de inadequa??o que eu n?o conseguia superar. Sentia-me sozinho, mesmo cercado por amigos, e aquela cena só tornava tudo mais evidente.

  Voltei para junto de Seiji, Rintarou e a turma, cabisbaixo

  O cabo de guerra come?ou. Estava acirrado, com gritos de "Vamos, puxem com mais for?a!" de um lado e "N?o vamos perder!" do outro. O time vermelho acabou ganhando. Seiji fez uma careta para Aiko, que ficou nervosa.

  Era ent?o chegado a hora dos 200 metros masculinos. Fiquei nervoso. Eu nem queria competir, mas fui meio que for?ado a me inscrever, eu tinha que participar em pelo menos uma atividade do festival.

  — Sua vez chegou, Shin — disse Rintarou.

  — Infelizmente, sim. Vou indo.

  — Tente n?o trope?ar, Shin! — disse Seiji, rindo.

  Enquanto caminhava até as posi??es dos corredores, lembrei-me da vez no fundamental em que tropecei no meu cadar?o e caí, na frente de todos, durante a corrida de 100 metros. Foi uma memória vergonhosa que, por algum motivo, nunca consegui esquecer.

  Chegando na marca, vi que Kazuki estava ao meu lado. Decidi levar a sério. Queria ganhar na frente dos meus amigos, colegas de classe e principalmente na frente da Yuki. Meu cora??o batia acelerado, como se quisesse sair do peito. Senti uma mistura de ansiedade e determina??o.

  — Em suas marcas... preparar... vai!

  Todos come?aram a correr. O ch?o tremia sob os meus pés enquanto eu me lan?ava para frente, tentando acompanhar o ritmo de Kazuki. A torcida vibrava ao nosso redor, mas o som parecia distante. Tudo o que eu conseguia ouvir era o som da minha própria respira??o e os batimentos rápidos do meu cora??o.

  Kazuki saiu na frente, suas pernas se movendo com uma precis?o quase mecanica. Eu lutava para manter a velocidade, sentindo os músculos das pernas queimarem a cada passo. Olhei rapidamente para o lado e vi Seiji e Rintarou me apoiando com gritos encorajadores, mas a distancia entre mim e Kazuki só aumentava.

  Enquanto corria, sentia o vento contra o rosto e o som dos gritos da torcida ao longe, como um eco distante. Estava t?o focado em alcan?ar Kazuki que tudo ao redor parecia desfocado. Foi ent?o que um corredor do time amarelo passou por mim, a velocidade dele me deixando para trás como se eu estivesse parado.

  Um nó de frustra??o se formou no meu est?mago, mas n?o havia tempo para pensar nisso.

  Foi quando senti algo errado. Meu pé escorregou levemente, e, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, meu corpo foi projetado para frente. Meu cadar?o… estava desamarrado.

  O mundo pareceu desacelerar, e eu só conseguia pensar: "De novo n?o... essa vergonha outra vez n?o..."

  O ch?o se aproximava rapidamente. Tentei me equilibrar, mas era tarde demais. O impacto foi duro, meus bra?os e joelhos rasparam contra o ch?o, e uma dor aguda percorreu meu corpo. A poeira se levantou ao meu redor, como se o universo quisesse destacar ainda mais o momento humilhante. Por um instante, o som das vozes na torcida parecia distante, abafado, quase inexistente.

  Mas a adrenalina tomou conta. Mesmo com o joelho latejando e as palmas das m?os queimando, levantei-me rapidamente. O calor da vergonha era mais forte do que a dor. "Levanta, Shin. Vai em frente." Essas palavras ecoavam na minha mente como um mantra.

  Ignorei tudo e todos, foquei apenas no movimento das minhas pernas, for?ando meu corpo a continuar correndo. A torcida, antes um borr?o confuso, parecia me puxar de volta para a realidade.

  Eu podia ouvir, entre os gritos indistintos, as vozes de Seiji e Rintarou. Elas cortavam a multid?o como um farol de apoio em meio à confus?o.

  Finalmente, Kazuki cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, seguido de perto pelo corredor do time amarelo. Apesar de tudo, eu consegui alcan?ar o terceiro lugar. Meu peito queimava pela falta de ar, minhas pernas tremiam, e cada músculo do meu corpo implorava por descanso. Mas, por dentro, algo maior me pesava: um misto de alívio e derrota.

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  Enquanto tentava recuperar o f?lego, meus olhos instintivamente buscaram Yuki. Ela estava na lateral, junto de outros colegas de turma. Eu n?o sabia o que esperava ver — talvez um olhar de apoio ou uma express?o de preocupa??o.

  Em vez disso, vi Kazuki apontando para ela, um sorriso no rosto, o tipo de gesto casual que fazia tudo ao redor deles parecer insignificante. A rea??o foi imediata: um burburinho come?ou entre os colegas que estavam próximos, especulando se eles estavam namorando.

  Aquela cena foi como um soco. N?o sabia exatamente o que eu estava sentindo, mas meu peito parecia apertado de uma forma que a corrida nunca causaria. E ent?o, como se n?o bastasse, a memória da minha queda veio à tona, trazendo consigo uma onda avassaladora de vergonha.

  Sem olhar para ninguém, comecei a caminhar em dire??o à enfermaria. Mantive os olhos fixos no ch?o, evitando os olhares ao redor. Cada passo parecia pesar mais do que o anterior, como se eu estivesse arrastando junto minha própria decep??o.

  Enquanto me afastava, ouvi passos atrás de mim. Rintarou e Seiji me seguiram, como sempre. Eles n?o eram do tipo que deixavam alguém enfrentar algo sozinho, e naquele momento, eu me sentia imensamente grato por isso.

  — Ei, Shin. N?o esquenta com isso. — Rintarou disse, a voz calma, mas firme, enquanto se aproximava de mim. Ele me deu um leve soco no ombro, o tipo de gesto que carregava mais significado do que qualquer palavra. — Você foi incrível lá fora. De verdade.

  Seiji, como era de se esperar, tinha uma abordagem completamente diferente. Ele soltou uma gargalhada e deu um tapinha nas minhas costas, que quase me fez perder o equilíbrio.

  — é, cara, todo mundo trope?a de vez em quando. Literalmente! — Ele piscou um olho para mim, um sorriso travesso no rosto. — Mas olha só, você ainda conseguiu o terceiro lugar! N?o é qualquer um que cai e ainda sobe no pódio, sabia?

  Eu n?o consegui evitar um pequeno sorriso. Era impossível n?o me sentir um pouco melhor com eles por perto. Eles tinham um jeito único de transformar até os piores momentos em algo suportável.

  — Valeu, pessoal — murmurei, minha voz baixa, mas sincera.

  Eles ficaram em silêncio por um instante, respeitando o espa?o que eu precisava, mas sua presen?a era reconfortante. Com isso, continuei meu caminho até a enfermaria, onde poderia pelo menos cuidar do estrago nos meus joelhos.

  A porta rangeu levemente ao abrir, e o ambiente fresco da sala foi como um alívio imediato para o calor do campo. Caminhei até uma cadeira, pronto para desinfetar o ferimento e colocar um curativo.

  Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, notei que n?o estava sozinho. Aiko estava ali também.

  Ela olhou para mim por um momento, pensativa, e ent?o seu rosto se iluminou.

  — Oh! Shin, certo? — perguntou ela, confirmando o meu nome.

  — Ah, isso — respondi, meio surpreso que ela lembrasse.

  — O que você veio fazer aqui? — perguntou ela

  — Vim desinfetar e colocar um curativo — expliquei, mostrando o machucado.

  Aiko sorriu gentilmente.

  — Deixe-me ajudar com isso.

  Sentei-me e deixei que ela cuidasse do meu ferimento. Enquanto ela me tratava, um silêncio confortável se instalou. Aiko era habilidosa e cuidadosa, o que me fez sentir um pouco menos constrangido com a situa??o.

  No meio do silêncio, ela finalmente quebrou o gelo.

  — Vi o que aconteceu na pista de corrida — disse ela, suavemente.

  Fiquei com vergonha e virei a cabe?a, tentando evitar seu olhar.

  — N?o se preocupe. Eu mesma já caí muitas vezes. Cair n?o é motivo de vergonha, mas n?o levantar e desistir é que é.

  Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Aiko continuou, enquanto terminava de desinfetar o ferimento e aplicava o curativo.

  — O que eu vi foi alguém que, mesmo após cair, teve a coragem de se levantar e continuar. Isso é algo para se orgulhar, Shin.

  Ela terminou de tratar o meu joelho e sorriu para mim.

  — N?o pense que foi uma vergonha. Pelo contrário, foi uma demonstra??o de for?a. — disse ela, enquanto mostrava um grande sorriso no rosto.

  Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Elas eram mais profundas do que eu esperava, e me fizeram sentir um pouco melhor sobre o que aconteceu.

  — Obrigado, Aiko — disse, finalmente, levantando-me.

  — De nada. E lembre-se, sempre que precisar, estou por aqui.

  Nos despedimos, e saí da enfermaria com os passos mais lentos do que o normal. As palavras de Aiko ainda ecoavam na minha mente, suaves, mas carregadas de algo que eu n?o conseguia explicar.

  A área do refeitório improvisado para o festival estava movimentada, cheia de vozes altas, risadas e sons de talheres ecoando pelo espa?o aberto. Famílias inteiras estavam sentadas juntas, conversando e compartilhando comidas feitas em casa ou compradas no local. Era o típico caos alegre que parecia dar vida ao festival esportivo.

  Mas, diferente de todos, eu estava sozinho. Tinha pedido para minha família n?o vir ao evento, achando que seria mais fácil n?o ter ninguém assistindo. Agora, enquanto me sentava em um canto mais afastado, com a marmita cuidadosamente preparada por minha m?e em m?os, essa decis?o parecia um pouco amarga.

  Enquanto procurava um lugar para sentar, avistei Yuki à distancia. Ela estava parada, olhando ao redor com uma express?o nervosa, segurando algo na m?o. N?o consegui ver o que era, e ela o apertava contra o peito, como se contivesse algo importante.

  Só consegui pensar no que poderia ser t?o importante para deixá-la assim.

  Quase sem perceber, dei alguns passos na dire??o dela, mas hesitei. A curiosidade lutava contra minha timidez. Perguntar o que estava acontecendo parecia o certo a se fazer, mas... e se ela me achasse intrometido?

  Yuki olhou em minha dire??o por um breve momento, e senti um frio na barriga. Mas, antes que eu pudesse reagir, seu olhar já havia se desviado, como se eu nem estivesse ali. O objeto em suas m?os e seu comportamento inquieto me deixaram ainda mais intrigado.

  Mesmo sem entender, aquela cena permaneceu na minha mente pelo resto do dia. Algo parecia fora do comum, mas talvez fosse apenas impress?o minha.

  Ou talvez… fosse o come?o de algo que eu ainda n?o conseguia enxergar.

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