Ainda na biblioteca, o silêncio que normalmente me trazia paz agora parecia pesado, quase sufocante. O nome de Ryuuji ainda ecoava na minha cabe?a, misturado com a imagem de Arata paralisado, seus olhos arregalados. Eu precisava entender o que tinha acabado de acontecer.
— Arata, o nome Ryuuji Akagi é familiar para você? — perguntei, tentando esconder minha inquieta??o.
Ele desviou o olhar, como se as palavras que estava prestes a dizer fossem dolorosas demais.
— N?o é nada de mais, Shin — respondeu, num tom que deixava claro que ele n?o queria entrar em detalhes.
O ambiente agora silencioso da biblioteca foi interrompido pelo som quase imperceptível da porta se abrindo. Uma corrente de ar frio se espalhou pela sala, e minha pele se arrepiou involuntariamente. Levantei os olhos, e um cliente entrou, suas botas pesadas ecoando no ch?o de madeira. Senti uma press?o no ar, como se algo invisível estivesse prestes a acontecer.
Cumprimentei-o automaticamente, mas ele me ignorou. Seus passos eram firmes, quase autoritários, como se aquele espa?o já lhe pertencesse. Ele caminhou em dire??o ao balc?o onde Arata estava, e, a cada passo, meu desconforto aumentava. Havia algo em sua presen?a que me fazia sentir pequeno, como se estivesse prestes a ser esmagado.
Quando ele parou em frente a Arata, a tens?o se tornou palpável. Algo no modo como ele carregava a si mesmo, na confian?a gelada de seus movimentos, me trouxe uma sensa??o de déjà vu. Meu est?mago se revirou de ansiedade, e ent?o, percebi o motivo. Aquele rosto... uma lembran?a distorcida surgiu em minha mente, confusa, mas inegável. Era ele, o garoto que eu tinha visto naquele dia, com o olhar confiante e penetrante, de quando fui entregar minha história no concurso.
O cliente parou em frente a Arata, que o observava com uma express?o que eu nunca tinha visto antes – um misto de nervosismo e desconforto.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou Arata, sua voz mais baixa do que o normal.
— Nada demais — respondeu o cliente, com um tom despreocupado. Havia uma arrogancia nele que era impossível ignorar. Arata parecia tenso, como se a presen?a desse cliente tivesse desencadeado algo dentro dele.
Eu continuei observando, tentando entender a rela??o entre eles.
— Ouvi dizer que você ganhou um concurso recentemente — disse Arata, tentando soar casual, mas sua voz tremia levemente.
Concurso? Meus pensamentos correram descontrolados. Que concurso seria esse? E como Arata conhecia esse cliente a ponto de estar t?o desconfortável? Havia uma tens?o no ar, algo n?o resolvido entre os dois.
— Ah, aquilo? N?o foi nada demais — o cliente respondeu com um sorriso desdenhoso. — Na verdade, estava fácil demais. Todas as histórias eram decepcionantes e chatas.
Quando ele mencionou "histórias", meu cora??o deu um salto. As palavras de Arata ecoaram na minha mente, e de repente, tudo come?ou a se encaixar. Lentamente, me aproximei do balc?o, tentando ligar os pontos na minha cabe?a.
— Arata... — comecei, minha voz hesitante. — Esse é...?
Arata desviou o olhar, o desconforto claro em sua express?o. Seus ombros caíram levemente, e ele soltou um suspiro pesado, como se a tens?o entre eles estivesse comprimindo sua própria capacidade de respirar. Ele sabia que n?o poderia mais esconder a verdade, mas parecia lutar internamente com o que viria a seguir.
— Shin... — come?ou, a voz quase vacilante. Houve uma breve pausa, como se ele estivesse reunindo for?as para continuar. Seus olhos buscaram os meus, carregados de algo que eu n?o conseguia identificar de imediato — um misto de culpa, vergonha, talvez até arrependimento. — Me desculpe por n?o ter apresentado a você antes. — Este é meu irm?o mais novo, Ryuuji Akagi.
O nome atingiu-me como um soco. Fiquei parado, encarando o garoto à minha frente, a mente lutando para processar o que acabara de ouvir. A pessoa que havia escrito aquela história incrível, que havia vencido o concurso... estava ali, na minha frente, e era ninguém menos que o irm?o de Arata.
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Mas, ao mesmo tempo, meus olhos voltaram a Arata. Ele tinha abaixado a cabe?a, e seus punhos estavam cerrados com tanta for?a que seus nós dos dedos estavam brancos. Parecia que cada palavra que ele proferia, cada olhar que trocava com Ryuuji, lhe tirava um peda?o de for?a, deixando-o cada vez mais frágil.
— Você é... Ryuuji Akagi? — perguntei, ainda tentando aceitar o que estava acontecendo.
Ele me lan?ou um olhar indiferente, quase entediado.
— Sim, e daí? — respondeu ele, claramente n?o impressionado.
Engoli em seco, sentindo uma mistura de nervosismo e excita??o. Estava diante do autor da história que tanto me impressionara. Isso significava que ele poderia me dar críticas valiosas, me ajudar a melhorar.
— Eu... eu li a sua história. Ela é incrível — disse, sentindo uma mistura de nervosismo e uma admira??o genuína que n?o consegui esconder. A expectativa fervia dentro de mim, esperando que ele, talvez, reconhecesse o esfor?o por trás do meu elogio.
Ele, no entanto, nem sequer reagiu ao elogio. Seu desinteresse era palpável, e uma pontada de frustra??o come?ou a emergir em mim, como se minhas palavras tivessem se perdido no vento.
— Ah, você também participou do concurso? — Ryuuji finalmente falou, mas sua voz carregava um tom de desdém que fez meu est?mago revirar. Seus olhos estreitaram, como se estivesse analisando algo já determinado como inferior. — Qual é o seu nome?
— Shin... Shin Yamamoto — respondi, lutando para manter a compostura. Aquele olhar frio, como se eu n?o valesse nem um segundo do seu tempo, acendeu uma faísca de inseguran?a. Mas logo a inseguran?a deu lugar a uma determina??o silenciosa. Eu queria provar que merecia estar ali.
Por um breve momento, Ryuuji pareceu reconhecer o nome. Ele pensou por um instante, antes de seu rosto se contorcer em um sorriso de desprezo. Aquele sorriso. Ele sabia, e algo me dizia que eu n?o estava preparado para ouvir o que viria a seguir.
— Ah, sim. Eu lembro. A sua história era... horrível — declarou, sem qualquer hesita??o.
As palavras dele n?o apenas me chocaram, mas inicialmente me deixaram em um estado de nega??o. Horrível? Minha mente come?ou a girar em busca de respostas, de justificativas, até que a raiva come?ou a borbulhar. Como alguém poderia ser t?o cruel e desdenhoso? Senti um nó na garganta, e as palavras escaparam de mim antes que eu pudesse pensar.
— O quê? Horrível? — gaguejei, incrédulo. — Mas por quê? O que tinha de t?o errado nela?
Ryuuji deu de ombros, como se a resposta fosse óbvia demais para merecer uma explica??o detalhada.
— Tudo. Ela n?o era interessante, era chata, e no geral, simplesmente ruim. Você n?o serve para ser escritor. Se eu fosse você, desistiria de escrever agora, antes que perca mais tempo.
Suas palavras me atingiram com for?a, e por um momento, o ch?o pareceu desmoronar sob meus pés. Desistir de escrever? Aquilo soava como um golpe baixo demais para eu suportar. Olhei para Arata em busca de algum apoio, mas ele parecia t?o abalado quanto eu.
— Ryuuji, isso foi longe demais — Arata interveio, sua voz firme, mas ainda assim carregada de tristeza. — Você n?o precisa ser assim t?o cruel.
Ryuuji, entretanto, apenas lan?ou um olhar de desprezo ao irm?o mais velho.
— H?? Cruel? Eu apenas estou sendo sincero. E você, Arata, deveria agradecer por n?o ter mais alguém apontando como você é patético. Você é uma vergonha para a nossa família, sempre foi — disse Ryuuji, com sua voz gélida e cortante.
As palavras de Ryuuji pareciam ter perfurado Arata, que abaixou a cabe?a, derrotado. Meu sangue ferveu ao ver o impacto que isso teve nele. Mas n?o era só isso. A atitude fria e arrogante de Ryuuji me incomodava profundamente, como se ele estivesse acima de todos, desprezando n?o apenas o próprio irm?o, mas tudo e todos ao seu redor.
A falta de considera??o, o desprezo com que ele tratava os outros... era insuportável. Eu n?o podia ficar quieto e apenas observando.
— Ryuuji! — chamei, minha voz mais firme do que eu esperava. Ele parou, mas n?o se virou para me encarar. — Você n?o pode falar assim com seu irm?o. Família é importante, e você devia respeitar isso!
Ryuuji deu uma risada seca e sarcástica, finalmente virando-se para mim.
— Vou embora daqui, vocês n?o valem o meu tempo.
Ele come?ou a caminhar em dire??o à saída, e eu sabia que, se o deixasse ir assim, iria me arrepender.
— Ryuuji! — chamei novamente. Ele parou na porta, sem se virar. Respirei fundo, reunindo toda a coragem que ainda tinha. — Eu te desafio para o Concurso de Escrita de Inverno! Se eu ganhar você vai pedir desculpas para o seu irm?o!
Houve um breve silêncio antes que ele soltasse uma risada baixa.
— Boa sorte, Shin. Você vai precisar — disse, sem olhar para trás, antes de sair pela porta e desaparecer na noite.
A biblioteca ficou em um silêncio pesado depois que ele se foi. Arata ainda estava imóvel, seu olhar fixo no ch?o. Senti um aperto no peito, n?o só pelo que tinha acabado de acontecer, mas pela dor visível que Arata carregava.
— Me desculpe, Shin — disse Arata, sua voz baixa, quebrada. — Ele nem sempre foi assim, mas... é tudo culpa minha.
Eu n?o sabia o que dizer. Como poderia aquilo ser culpa de Arata? E o que Ryuuji quis dizer ao chamá-lo de vergonha para a família? A confus?o e o choque ainda pulsavam em minha mente, mas uma coisa era certa: eu n?o podia deixar isso assim. Havia muito mais para descobrir, tanto sobre Ryuuji quanto sobre Arata, e sobre o que realmente estava acontecendo entre eles.
O desafio estava lan?ado, e eu sabia que o caminho à frente seria difícil, talvez o mais difícil que já enfrentei. Mas uma coisa era certa: eu n?o iria desistir.